• Nov 13, 08
  • ADL Advogados
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O novo código civil, que entrou em vigor em janeiro de 2003, representa uma atualização da visão civilista acerca de institutos tradicionais, que, vindos dos tempos romanos, acompanham a sociedade, a ponto de já estarem integrados à cultura ocidental. Dentre estes, o contrato, talvez, pela dinâmica das relações negociais, seja o que melhor exemplifica esta releitura normativa. Partindo do conceito romano de mero acordo de vontades, capaz de produzir prestações de cunho patrimonial, a nova figura contratual se impõe influenciada pelos princípios de eticidade e socialidade, marcantes no novo codex. O novo paradigma comportamental, calcado em padrão constitucional, com a valorização da dignidade da pessoa humana e da função social do instituto, atua como inspiração e fonte para a relação jurídica contratual.
Já na sua parte geral, o novo código civil, em seu artigo 113, prevê que os negócios jurídicos, contratuais ou não, serão interpretados conforme a boa-fé. Especificamente para os contratos, o artigo 422 prevê, como um dever contratual, geral e implícito, a obrigatoriedade de os contratantes se conduzirem com base nos princípios de probidade e boa-fé, tanto no momento da celebração do contrato, quanto nos momentos de sua execução. A doutrina, seguida pela jurisprudência, não receou alargar esta previsão, para alcançar a fase pré-contratual, quando ainda não se tem vínculo contratual, mas, tão somente, negociações preliminares.
Não obstante estarem bem caracterizados os momentos de incidência da norma jurídica, a mesma facilidade não se encontra quando se pretende avaliar a extensão do comando legal, ou seja, o que, efetivamente, o legislador impõe. A grande dificuldade se evidencia pelo caráter “aberto” da lei, que, ao invés de se fiar pela definição clara e precisa, com deveres jurídicos delimitados, opta por delegar, ao intérprete, esta função, que, obviamente, ensejará na avaliação cultural, moral e social, do contrato objetivado.
Imbuído deste espírito de boa-fé objetiva, é necessário que se reconheça, na relação contratual, deveres jurídicos, prestações muitas vezes não previstas pelas partes, mas que, mesmo assim, os vinculam. Na teoria, tais deveres jurídicos são de fácil identificação, como, por exemplo, o dever de prestar as informações essenciais, relevantes, o dever de zelar pela segurança alheia, o dever de zelar pela efetividade do contrato, não apenas para si, mas para o outro contratante, etc. Percebe-se, sem margem de dúvidas, que a probidade e a boa-fé preferem um padrão de solidariedade social à cultura negocial individualista, até então vigente nas relações do mercado.
Assim, não basta a satisfação das prestações, expressamente previstas no contrato, em detrimento da boa-fé e dos deveres negociais implícitos, pois caracterizar-se-ia o que a doutrina civilista vem nomeando como “Violação Positiva do Contrato”, modalidade de descumprimento contratual. Para ilustrar as hipóteses, os livros técnicos vêm apresentando exemplos claros como o da empresa de marketing que, contratada para produzir campanha publicitária de determinado produto, através de publicação de painéis publicitários (“outdoors”), os instala em locais de difícil acesso ou de concentração de consumidores que não se encaixam no público alvo do produto. Pode-se destacar, ainda, o caso da companhia aérea, que omite, ao passageiro, informação acerca do mau funcionamento de sistema de freio da aeronave, independentemente da ocorrência de acidente, ou do médico que não informa os riscos de uma cirurgia plástica estética.
 Ao contrário do que a aparente liberdade normativa, decorrente da adoção de um padrão de regras gerais, sem caráter rígido, possa sugerir, o novo código civil abandonou a visão individualista e não intervencionista, herdada de Adam Smith e sua “mão invisível”, preferindo uma maior intervenção do Estado na relação contratual, a ponto de inserir diversas obrigações não previstas expressamente. No entanto, ficará à cargo dos próprios contratantes distinguir e interpretar o que deles se espera, atuando o Poder Judiciário como árbitro diante de eventual discussão. Para não ser pego de surpresa, vindo a sofrer reveses, algumas vezes, não buscados, o negociante deve se pautar pela probidade, zelando pelo respeito e satisfação do outro, como se este fosse seu melhor amigo, pai ou, até mesmo, filho.