• Nov 13, 08
  • ADL Advogados
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Orientado pelo princípio da Autonomia das Vontades Negociais, o direito valoriza a celebração de negócios jurídicos livres, rechaçando toda e qualquer interferência da formação do consentimento dos contratantes. Por tal razão é que o Direito Civil possibilita o reconhecimento de nulidade em contratos, decorrentes de vícios da vontade e, mais especificamente, vícios do consentimento. São hipóteses nas quais um dos contratantes tem a sua vontade alterada por alguma circunstância externa, influenciando a manifestação do seu querer.
O Código Civil de 1916 elencava três vícios do consentimento. Os dois primeiros, Erro e Dolo, marcavam a interferência indevida na formulação da vontade negocial em virtude da má apreciação da realidade, pelo próprio agente ou induzida por outrem. Na última hipótese, Coação, tinha-se a clara evidência de limitação da vontade, por se tratar de ameaça.
O Novo Código Civil, que entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003, manteve estes três vícios, mas incluiu dois novos. São estes o Estado de Perigo e a Lesão, regulados nos artigos 156 e 157, respectivamente. Nestas duas novas figuras, a vontade negocial é influenciada e, consequentemente, alterada por uma situação de necessidade ou por um estado de inexperiência, no caso da Lesão.
O Estado de Perigo, conforme se verifica da simples leitura do artigo 156, permite ao agente a anulação de um negócio jurídico não desejado, mas inevitável, face uma situação de força maior que o compele a celebrá-lo. Neste instituto, o legislador buscou preservar os interesses daqueles que são forçados a celebrar um contrato, assumindo obrigação excessivamente onerosa, porém necessária para o seu próprio salvamento ou o salvamento de pessoa próxima.
Na lesão, a situação pouco se altera, uma vez que o legislador também resguarda os interesses daqueles que são obrigados a celebrar contrato, seja por extrema necessidade ou, até mesmo, por inexperiência, assumindo contraprestação desproporcional em razão da que lhe é endereçada. Ou seja, na lesão verifica-se a possibilidade de se anular o contrato, quando evidenciada a disparidade de prestações no negócio jurídico, desde que o agente tenha sido motivado a contratar por, repita-se, inexperiência ou necessidade.
 Uma das primeiras dúvidas que surgiram acerca dos citados artigos 156 e 157, trata da efetiva diferença entre os institutos, pois, à primeira vista, evidencia-se a completa absorção do Estado de Perito pela Lesão. Isto porque, todo aquele que se encontra “premido da necessidade de salvar-se” (art.156) está “sob premente necesssidade” (art.157). A solução indicada pela comissão redatora do projeto, calcada no direito italiano, é a de que o Estado de Perigo evidencia uma necessidade vinculada a direito não patrimonial, enquanto que a Lesão é eminentemente patrimonial. Assim, se alguém é compelido a firmar um contrato com determinado hospital, para tratamento urgente, sendo-lhe cobrado valor excessivo, acima da média cobrada para os demais clientes, pode argüir Estado de Perigo. Mas se, ao contrário, uma pessoa é obrigada a vender a sua casa, por preço irrisório, para pagar uma dívida contraída, a hipótese é de Lesão.
 Outra diferença marcante entre os institutos se extrai da exigência, ou não, de verificação de má-fé daquele que celebra com o agente o negócio jurídico. O Estado de Perigo pressupõe o conhecimento do dano pela outra parte, partindo do pressuposto que o celebrante conhecia o risco do agente e buscou tirar proveito da situação. Na Lesão, o código é silente, não exigindo, sequer, que a outra parte saiba do estado de necessidade ou da inexperiência do agente.
Diante da lacuna, a doutrina se dividiu. A primeira corrente que surgiu, hoje minoritária, exige o chamadao “dolo de aproveitamento”, ou seja, a intenção da outra parte de tirar proveito do negociante. A segunda corrente, hoje preponderante, não exige o conhecimento da fragilidade do agente. A outra parte pode, até mesmo, desconhecer a peculiar situação do agente.
Importante registrar a existência de corrente, bem ilustrada por Anelise Becker, que defende a presunção relativa de dolo de aproveitamento, transferindo para o celebrante o ônus de provar a sua boa-fé e o seu total desinteresse de se aproveitar do agente. Tal orientação, apesar de sedutora, pode dar ensejo à fraude, ainda mais quando se evidencia a desigualdade na relação negocial, tornando necessário certo Dirigismo Contratual.
Não obstante a posição principal, que impõe presunção absoluta de má-fé na lesão, daí a desnecessidade de se demonstrar o dolo de aproveitamento, vale frisar que, para eventual cobrança de perdas e danos, a comprovação do dolo é essencial, pois se está diante de responsabilidade civil aquiliana.
Por derradeiro, vale destacar que o Estado de Perigo é, em um aspecto, mais amplo que a Lesão, pois se aplica a negócios jurídicos gratuitos ou onerosos, enquanto que a Lesão somente nestes se insere. De fato, pela leitura do artigo 156, verifica-se que o legislador admite, seguindo os rastros da doutrina italiana, excesso de compromisso em negócios gratuitos, como a doação, desde que o motivo que a ensejou lhe seja incompatível. Já a Lesão, para se verificar, impõe a celebração de contrato com prestações recíprocas, a fim de se analisar o seu descompasso.
Estes novos institutos, Estado de Perigo e Lesão, inauguram uma nova fase de proteçção do ordenamento jurídico, resguardando o indivíduo diante de eventualidades. Possibilitam o reconhecimento de nulidade em contratos, sejam estes decorrentes de necessidades patrimoniais, sejam decorrentes de outros tipos de necessidades, vinculadas aos mais variados bens jurídicos, tais como a vida e a integridade física.  No entanto, para que possam servir como efetivas garantias, possibilitando a exploração de suas potencialidades, é fundamental que se conheça a extensão e o alcance das normas que as ensejaram. Somente assim o direito alcançará o seu objetivo principal, que é servir de garantia para o cidadão, garantindo-lhe o pleno exercício da Cidadania.